Não quero falar sobre propósito

Esse papo de propósito já rendeu bastante e eu confesso certa preguiça quando surge esse tema ultimamente. Sim. A maioria de nós precisa de algum tipo de ajuda para encontrar ou ajustar seu caminho para sentir-se “em paz” consigo mesmo. Entendo e faço parte desse grupo.

Desse grupo que já sentiu muitas vezes que estava onde deveria estar e outras milhares de vezes que não sabia onde deveria estar, mas que tinha certeza absoluta que estava no lugar errado. Estar no lugar errado é uma morte lenta. Sei bem. Já passei por isso. Poderia escrever um livro sobre como é se sentir ocupando um lugar que não é seu.

Mas hoje eu estou mais no estilo “Let it be”. Não de deixar a vida ser de qualquer jeito, não. Mas em como fala esse hino maravilhoso: há esperança e as coisas se ajeitam. Ontem assistindo ao show do Paul McCartney que em vias de completar 77 anos emocionava e arrebatava milhares de pessoas, uma coisa não me saía da cabeça um minuto sequer: como é viver uma vida em que você encontra a perfeita conexão para exercer seu direito de ser você mesmo, ocupar brilhantemente o seu lugar no mundo a ponto de virar uma lenda?

Eu não sei como é isso e não conseguia parar de olhar a multidão emocionada cantando com ele o lugar dele no mundo. Porque o que acontecia ali ontem e outras trocentas vezes era isso: milhares de pessoas aplaudindo o lugar que ele ocupou no mundo. Um lugar que só podia ser ocupado por ele e ele o fez de forma impressionante. Um lugar no qual ele encontra toda a inspiração para traduzi-la de modo a também inspirar e tocar profundamente todos nós.

Falando em todos nós. Acredito que todos nós temos nosso próprio lugar no mundo, entendendo, claro, que mesmo que a gente o ocupe provavelmente não tenhamos milhões de fãs. Talvez para que isso ocorra além de escutarmos nossa voz interior, silenciarmos as vozes de julgamentos que o mundo nos ajudou a criar, precisamos que astros e planetas tenham a conjunção perfeita? Realmente não sei.

Mas imaginar o menino Paul encontrando a si mesmo enquanto crescia, escutando seu chamado interno, não desanimando quando errava, fazendo o reframing das cenas mais difíceis e ouvindo a mother Mary vir guia-lo nas noites escuras arrebatou meu coração. Era simplesmente emocionante olhar para aquele jovem senhor brilhando em si mesmo como se estivesse apenas brincando.

Se eu pudesse perguntar uma coisa a ele seria: qual foi o momento em que você sentiu que o mundo ia te encaixotar e você disse: não! Não vai não!

Não quero falar sobre propósito, mas se for para falar de propósito para você, eu começaria por aí. Entrar em contato consigo mesmo. Voltar ao ponto em que o mundo silenciou sua voz, fechar os olhos e dizer: não! Não vai não!

Em algum momento sua voz se calou. Para superar uma situação que você não tinha bagagem emocional para lidar, para atender a padrões impostos ou para se sentir aceito. Em algum momento ela se calou. Encontrar esse momento na sua biografia. Isso, para mim, é algo próximo a “encontrar o propósito”. Fazer essa busca incessantemente, incansavelmente… Com isso feito todo o resto vem, apenas let it be.

Com carinho,

Maria

Sobrevivente

Hoje eu contei quantas vezes eu morri nessa vida. Logo pela manhã, deitada no tapete de yoga, no meio da prática, eu parei e contei. Me lembrei de 11 mortes. A primeira eu tinha uns 6 anos e estava na rodoviária de Curitiba. A segunda foi com uns 11 em Telêmaco Borba. Teve uma na Ásia. Uma na África. E a última não deve fazer 2 meses.

Morrer em vida é a coisa mais profunda, mais doída e magnífica que nos acontece como seres humanos. Como seres em evolução.

Tem gente que morre diversas vezes. Tem gente que morre muitas mortes de uma só vez. E tem gente que morre em doses homeopáticas agonizando até o último suspiro.

Nunca conversei com ninguém que não tenha morrido em vida. Mesmo sem ter se dado conta todo mundo teve suas mortes. Todos somos humanos. Todos morremos.

Morrer em vida nos arranca o equilíbrio e às vezes o chão. Morrer em vida nos fragiliza, nos amedronta e às vezes nos obriga a parar. Ou a mover. A agir justamente ao contrário do que esperávamos. E algumas vezes a gente nem sabe porque e quando vê, tá morto.

Eu já morri de morte matada e de morte morrida.

Na morte matada a gente fica culpando alguém ou o mundo, às vezes por muito tempo, até entender que precisávamos morrer. Ou perceber que a vida mudou, que alguém se foi porque precisou ou porque quis. Ou aceitar que tem coisas que simplesmente não vamos conseguir entender com nosso nível de consciência e que o melhor é deixar morrer (e essa morte matada que não se pode entender é muito dolorida). Já a morte morrida vem de dentro: de repente você desperta e o velho eu tá lá, mortinho da Silva.

Eu também já evitei morrer. Me segurei no meu eu antigo por um tempão para disfarçar a morte anunciada. E fiz isso de todas as maneiras que pude. Com boletas. Com shopping. Com trabalho. Com relações desgastadas. Teve uma vez que eu já tava prá lá de moribunda e corri tão longe que caí morta na Índia. Aliás, umas das mortes mais significativas.

É preciso morrer em vida para que o novo nasça ainda em vida!

Nós, ocidentais, associamos a morte a algo ruim e eu confesso que às vezes também penso assim e me dá medo. Mas morrer é parte do ciclo da natureza e da vida. Morrer é encerrar um ciclo. Uma fase, uma ilusão ou uma forma de ser. Morrer em vida é a oportunidade de transcender-se. De andar uma casa (ou 10) no tabuleiro da sua própria evolução.

Morrer em vida e morrer de vez são coisas inevitáveis. A dor, creio que também. Mas podemos tentar minimizar o sofrimento olhando para cada morte como um passo de superação de nossas deficiências e crenças. De escolhas ruins sejam elas conscientes ou inconscientes. De visões de mundo distorcidas, pequenas. Morrer em vida é mover-se. É sair do seu velho lugar. Da sua antiga condição. E como diz meu cantor preferido: somos uma espécie em viagem.

Permita-se morrer.

Abrace suas mortes.

Morrer dói, mas faz bem à vida!

Com carinho.

Maria